domingo, 31 de agosto de 2014

Uma história de André Paulo


Uma história com evidente memória afetiva?


Aquele cômodo apertado
André Paulo

 "Imediatamente à direita do pé da escada de concreto, o pequeno cômodo tem sua existência anunciada somente pela porta de alumínio. Dentro, suas medidas se mostram ainda menores. Não por realmente o serem. O espaço está repleto de toda sorte de objetos. Caixas empilhadas, jogadas ou amassadas – contendo de sabão caseiro a plásticos coloridos. Os guardados exalam um cheiro forte. Cheiro de passado. Ou naftalina. 
Lembranças esquecidas que não pertencem mais a ninguém invadem o ambiente num frio e desgostoso movimento. A lâmpada instalada na parede (há anos não é trocada) mal ilumina, deixando o cômodo em constante crepúsculo. Lá não há felicidade.
Mas, é quando um neto chega que ele se transforma. Torna-se o lugar mais vivo da casa, quente e espaçoso para conter toda a imaginação da criança – que ao fim do passeio abandona relutante o palácio, laboratório, esconderijo ou palco.
O porão é ótima babá."


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Uma história da Sônia Gabriel



Uma história de tesouro


Em São Luiz do Paraitinga, já teve muito ponto de parada de tropeiro[1], lugar onde os viajantes descansavam das longas jornadas de trabalho. Além de transportar mercadorias, todo tropeiro sabe muito bem contar uma história, principalmente se for de assombração.

Certo tropeiro, todo prosa, contou que das muitas fazendas que os recebiam, havia uma muito velha que ninguém queria. Era sempre rejeitada por temor de encontrarem assombração. Quem já tinha se atrevido a pousar por lá, dizia que a certa hora da noite aparecia um homem muito grande, aterrorizante, que corria atrás dos tropeiros com uma cavadeira na mão. Mas, sempre tem um corajoso que quer desafiar a assombração.

Pois aconteceu que um tropeiro, mesmo sabendo do assombramento, resolveu que iria dormir lá. Não deu outra: tarde da noite, algo muito estranho começou a acontecer. Um barulho esquisito misturado com uma voz aterrorizante avisava que iria cair. O tropeiro mais cansado do que com medo, desafiou que caísse logo. A assombração do homem muito grande apareceu, e constatando que o assombrado não estava nem um pouco assombrado convidou-o a segui-lo. Agora já um tantinho incerto, mas com muita curiosidade, o tropeiro foi atrás.

Começou a perguntar para onde iriam e o que fariam, mas a assombração nada respondia. Quando alcançaram uma clareira no terreiro da casa, o tropeiro foi instigado a cavar um buraco no chão. O fez e não acreditou quando encontrou uma grande vasilha parecendo uma panela já enferrujando. A panela estava repleta de ouro.

O tropeiro então viu que a assombração parecia aliviada pelo homem ter encontrado o tesouro enterrado. Aquela alma atormentada, sabe-se lá por qual motivo de ganância, estava aguardando alguém encontrar a fortuna escondida. O tropeiro enricou e nunca mais se soube de nenhuma aparição de assombração por aquelas antigas bandas.

Sônia Gabriel


Ilustração de André Paulo.


[1] Tropeiro é o nome dado aos condutores de tropas: comitivas de mulas e cavalos entre regiões de produção e os centros consumidores. Durante muitas gerações, as comitivas de tropeiros ilustravam as paisagens vale-paraibanas.




Uma história de Paulo Roxo Barja, inédita!


Olha o privilégio! História inédita de Paulo Barja para nosso Dia Valeparaibano de Contar Histórias...


ENCOMENDA QUENTE

(P.R.Barja – paulobarja.blogspot.com)

"Bonecas infláveis a qualquer hora, 7 dias por semana”, dizia o anúncio.
Sozinho, carente e sem vontade de se embrenhar mais uma vez na selva de mulheres mal casadas que era aquela cidade, ele resolveu tentar a novidade. Discou. Atenderam e ele fez o pedido emergencial.
De moto, o entregador saiu para levar a encomenda; apressado, porém (“depois dessa tô livre e vou ver a Joana”), acabou entrando numas quebradas perigosas na tentativa de cortar caminho.
Parou num beco e pediu informações sobre o endereço para a primeira pessoa que viu: tratava-se de uma morenaça de parar o trânsito, vestida com roupas sumárias. Por um momento, sua mente viu-se ocupada por duas dúvidas:
1) Aquilo na cintura dela era uma microssaia ou um cinto?
2) Dados os quase dois metros de altura, “ela” seria realmente “ela” ou...?
Voltando à Terra, chegou a mostrar o papel com o endereço para a Big Morena (chamemos assim tal pessoa). Prestativa, a moça olhou, parou, pensou e informou o caminho exato: bastava pegar a avenida à esquerda, seguir até o terceiro sinal, virar à direita (na esquina tem uma farmácia), contornar o parque e... “ah, lá pra frente você pergunta de novo, já estará bem pertinho, querido!”
Agradeceu e pôs-se a caminho.
Big Morena não perdeu tempo: pegou a moto do parceiro (“Ele é bonzinho e tá me devendo essa”) e saiu em disparada rumo ao endereço. Lá chegando, tocou o interfone. “Pode subir”, foi a resposta seca de Sozinho, que a essa altura já estava na metade da garrafa de vinho, aberta para criar clima entre ele e ele mesmo. Porta entreaberta, ele não resistiu à entrada da Big Morena. Resistir como, se ela era tão maior que ele? Não só maior, como também mais... ah, deixa pra lá.
– É cento e vinte, né? Ué, onde está a boneca?
– Querido, você deu sorte: uma vez por mês a gente faz promoção e você foi o nosso vencedor de Agosto! A boneca... sou eu... E deixou cair a jaqueta. Não vestia nada por baixo a não ser o cinto (ou microssaia, não sei).
Sozinho abriu a boca, mas não chegou a emitir uma palavra. Em poucos instantes, eram só gemidos e interjeições apenas vagamente humanas. Minutos depois, estendida no tapete da sala, Big Morena relaxava, fumando um cigarro, quando ouviu o interfone. Era a encomenda. “Pode subir...”
Porta entreaberta e o velho truque: “Pode entrar, estou pegando o dinheiro...”
Mas o motoboy desconfiou um pouco daquilo (quem trabalha nesse ramo é desconfiado) e ficou ali, com o pé na porta, quando Big Morena apareceu (“uau”) no corredor (“meu Deus do céu...”) e foi logo dizendo, sem nem disfarçar o canivete na mão: “Pode vir, querido, que ele não era de nada e eu ainda to cheinha de fogo...”
– Fogo, é? Virgem Santa!
(Por que será que a gente fica mais religioso nas horas de grande emoção?)
O motoboy foi descendo a escada e gritando – por sorte eram só três andares – até cair quase nos braços de um dos bombeiros que chegavam no prédio.
– Foi daqui que teve denúncia de incêndio? Cadê o fogo?
O “fogo” atendia pelo nome de Big Morena – agora, se os bombeiros tiveram ou não sucesso na contenção das chamas, isso eu nunca vou saber: só lembro que peguei a moto e sumi rapidinho dali.




Vejam a história de José Antônio Braga Barros, que primor!



Continuando com nosso Dia Valeparaibano de Contar Histórias...


Gosto da vida simples, sem complicações

 J. A. Braga Barros

" Gosto mesmo é de ficar aqui parado, contemplando esta mesma paisagem, que cada hora está diferente, só com o passar do sol que todo dia vai arrastando as sombras de lá para cá destacando com sua luz, está ou aquela flor.
 Gosto mesmo é de ficar aqui em silêncio, ouvindo pássaros, que às vem cantar aqui pertinho de mim e outras vezes, escondidos entre folhagens, só faz sua música invadir os espaços.
Gosto mesmo é do céu azul que com suas nuvens brancas, muitas vezes com suas bordas enfeitadas de dourado, em cada momento mostram castelos e sonhos que não poderia imaginar, sem elas.
Gosto mesmo é quando o caboclo passa por aqui e entre um: Taaarde! Deixa meia dúzia, de quatro ou cinco histórias narradas, sem a menor pretensão, de ser contador, poeta, filósofo, ou conquistador. Conta pelo simples prazer de conversar. Aquela conversinha, assim, assim, bem de finin..., cortando as palavras... deixando os silêncios completarem seus pensamentos e imaginação. 
Gosto mesmo é quando um vento antigo, traz recordações de muitos passados que escutei, vivi, ou aprendi entre tachos de doces, formas de bolos, panelas de comidas saborosas sendo feitas em fogão de lenha, com serpentina para a água quente da torneira e do do chuveiro. Ou ainda, perto da máquina de costura, vendo os tecidos sendo cuidadosamente sendo transformados em lindas vestimentas para toda a família.
Gosto mesmo é de reler os meus livros e acrescentar novas leituras descobrindo maneiras diferentes de dizer as mesmas coisas. Mas o que eu gosto mesmo é de escutar pessoa de verdade falando e lá dentro de mim descobrir mundos novos, muito diferente destas realidades de televisão, de política, de gente importante... 
Gosto mesmo é de ver gente que, quase sem nada, ainda tem muito o que repartir. Gosto de gente solidária, gosto da partilha, gosto do abraço apertado. Puxa o banco, senta aqui. Vou lhe contar um causo. Ramiro do Alcides, tem mais histórias que enciclopédia de escola, cada hora o homem fala cada coisa que não sei de onde ele tira. Veja, que ele pedreiro velho, daqueles que para cada caixão de cimento, para umas trinta vezes para explicar alguma coisa, para tomar café, ou mesmo dar uma fugidinha, para tomar uma branquinha, ali na venda da esquina. Pois bem, Ramiro do Alcides, sempre tinha uma justificativa para cada mal feito. E acabava de levar uma bronca da dona Esmeralda, uma vez que o piso do banheiro que terminava de fazer, estava com a água correndo para fora e não para o ralo. Na maior calma, olhou para a dona, puxou seu cigarrinho, bateu na unha do dedão, colocou meio de lado, na boca, acendeu, deu uma baforada e indagou, com aquela vozinha fina:
 - Isso, não é nada, para que que existe rodinho? É só passar o rodinho que fica tudo seco... e saiu na mesma paz! O que eu gosto mesmo é da vida simples, sem complicações."


Uma super história de Ana Lygia


Para começar nosso dia repleto de boas histórias...


"Esse "causo" era muito contado na roça dos bisos, no alto da Ventania... e eu tinha PA-VOR."


"A HISTÓRIA DA PACUERA MINGUTE

Existe um lugar chamado Mata do Sodré, no alto da Serra da Mantiqueira, uma região até hoje pouco explorada entre São Paulo e Minas Gerais, nas divisas do município de Guaratinguetá, Piquete e São Francisco das Chagas, já em Minas Gerais. Até os dias de hoje a mata é tão fechada, a região tão íngreme que pela tevê nos chegam notícias de gente que se aventurou por lá ou pelas trilhas do Pico dos Marins e se perdeu passando dias tentando achar o caminho de volta.

Os caçadores que se aventuram por aquela região dizem que a mata é assombrada até hoje e que lá as pessoas perdem o rumo, por mais experientes mateiros que sejam. A história aconteceu por volta de 1930 e assombra os sonhos daqueles que ousam olhar para a direção daquela funesta mata:

Existiam três primos que gostavam muito de caçar nas brenhas da Mantiqueira, experientes que eram, jamais deixavam de preparar a matula de caça: espingardas cartucheiras, comida, bons cobertores para espantar o frio da serra, botas de cano alto para se proteger das cobras traiçoeiras, lamparina de querosene, cachaça... 

Os irmãos Neco e Zezé foram com o primo Juca para a aventura de homens briosos. Os cavalos e as mulas que levariam as bagagens foram deixados, como sempre, no primeiro rancho: uma espécie da pousada que todos os caçadores usavam e deixavam em ordem para os que viriam usá-la depois. O conforto que oferecia era um grande fogão de lenha e panelas de ferro, um bom telhado de sapé e firmes paredes de pau-a-pique, além de quatro tarimbas com esteiras de taboa. Mais nada.

A lenha estava logo ali na mata e a caça também, só que esta dependia da sorte e da pontaria do caçador. No entanto, quem se aventurava até aquelas paragens eram os mateiros experientes, para os quais a floresta tinha poucos segredos; então a caça do nhambu, da perdiz, do macuco, da juruti, do porco do mato, da paca, da capivara, do bugio e até da onça pintada era quase certa.

Naquela noite tinha chovido muito e durante a tarde os jovens caçadores haviam subido as primeiras léguas, chegando no pouso mais ou menos às sete da noite, ainda a tempo de acender os candeeiros de querosene, comer o virado de feijão que haviam trazido pronto e dormir. A melhor hora para caçar era no romper do dia, quando os bichos saíam de suas tocas e refúgios para beber água nos regatos e buscar comida.

Na manhã do dia seguinte deixaram o grosso da matula e os cavalos soltos nos arredores do rancho e partiram apenas com a patrona de couro às costas, uma espécie de mochila grande de couro cru onde levavam munição extra e comida pronta só para passarem o dia, uma vez que no final da tarde pretendiam retornar. As grandes espingardas e cartucheiras levavam a tiracolo. 

Mais para dentro da mata à beira de um riozinho havia outro rancho que servia de abrigo para os caçadores, mas era bem menor que esse outro, sem as esteiras, tarimbas e menos usado que o primeiro. 

Era mesmo para alguma emergência como uma trovoada repentina ou ataque de algum bicho selvagem. Os mateiros iam até lá para limpar a caça e usar a água do riozinho que corria à porta ou para fazer uma comida rápida na trempe.

Caminhando em silêncio pela trilha ouviram o pio de um nhambu e ainda acharam uma parte do terreno fuçada pelos porcos do mato. Em bando esses animais eram perigosos e mais de um caçador já havia sido ferido pelas dentadas dos bichos enfurecidos. Continuaram o caminho. Mas sem o menor indício ou sinal de alguma caça, quando deram por si estavam muito longe do ponto de partida: não dava mais tempo deles voltarem antes que a noite caísse e o temporal era iminente. Resolveram pernoitar no rancho menor e para lá se dirigiram sem caçar absolutamente nada. Não havia lenha seca no local, mas as fortes paredes, a porta de madeira rija e o teto ofereciam um abrigo seguro contra a tempestade que urrava lá fora, fazendo eco aos barulhos da noite e a escuridão que os abraçava, naquele idílio de temeridade, era o que tornava tudo mais assustador. 

Não seria isso que ia desanimar aqueles homens experimentados naquelas aventuras. Dividiram o resto do virado de feijão, o pão dormido de dois dias e um gole de aguardente para afastar o frio. No chão batido do ranchinho prepararam-se para passar a noite, tanto os cobertores como o conforto das esteiras tinham ficado lá no outro rancho e fazendo da patrona um travesseiro, cada um se ajeitou ao lado do outro no pequeno espaço e tentou dormir.

No outro dia a chuva os recebeu de manhã e o frio estava de lascar. Nada para se comer. Juca resolveu sair para ver se conseguia alguma caça e a única coisa que achou foi lenha meio molhada, mas que deu um fogo fumarento que espantou o frio. Nem uma juruti, nem um tatuzinho para aplacar a fome que já doía.

No começo da tarde, como a chuva não desse trégua, eles resolveram sair e tentar achar alguma caça: nenhuma! Os bichos todos pareciam estar invisíveis naqueles grotões.

Andaram durante três horas e nada, de repente ouviram o focinhar de um porco do mato. Os três engatilharam as espingardas, preparando-se para o encontro que iria matar a fome de dois dias. Juca como sempre ia à frente, Neco atrás e seu irmão Zezé fechava a fila. 

O bicho parecia estar numa moita de inhame depois de uma subida muito íngreme. Juca subiu na frente e quando o Neco quis seguir, se apoiou na espingarda para subir o morrinho, escorregou na terra barrenta, o dedo resvalou no gatilho e o tiro partiu, ecoando na mata. 

De susto os três caíram, mas Juca que ia à frente não se levantou. Os dois de trás pararam de rir quando uma grande mancha de sangue escorreu pela sua camisa encharcando o chão já tão molhado da chuva. Silêncio na mata: nem o alarido das aves depois do estrondo de um tiro se ouvia. No chão a mancha crescia diante da paralisia dos parceiros que, pasmos, não sabiam o que fazer. O tiro disparado de baixo para cima acertara em cheio o coração do caçador e a morte fora instantânea. 

Não havia o que fazer e Zezé que era o mais criança começou a chorar lamentando o amigo e a má sorte do seu irmão Neco, que sem querer matara o primo e, por conta disso, estava em estado de choque. 

O rancho estava longe, eles estavam sem força para carregar o amigo morto e ficaram sem saber que direção tomar na noite chuvosa. Então se enrolaram nas capas e passaram a noite ali mesmo sem comida, tiritando de frio e rezando para que nenhuma onça sentisse o cheiro de sangue e viesse até eles. O dia raiou e eles ainda permaneceram ali com muita fome e frio até que Zezé com seu facão fez uma padiola na qual puseram Juca. 

A bala da espingarda cartucheira ao sair fizera um rombo no peito do moço que jazia ali sem um pingo de sangue no corpo, parece que durante a noite, todo o sangue havia escorrido. 

Iniciaram a descida. Os dois caminhando lado a lado nas estreitas picadas, debaixo da chuva miúda que não parara um minuto. Eram três horas da tarde e eles ainda não atinavam com o caminho do rancho. Sem o sol para guiá-los naquela bruma da chuva e na mata fechada, haviam se confundido e penetrado ainda mais naquele verde breu. A noite se avizinhava e a fome era tanta que dava ânsias, embaralhava a vista e perturbava as ideias.

Às cinco horas da tarde Zezé então decidiu descer, não acompanhar as trilhas para ver no que dava, mas seu irmão Neco de tão fraco não quis acompanhá-lo, pediu que se ele achasse ajuda voltasse para buscá-lo e assim fizeram. Abraçaram-se, despedindo-se e Zezé iniciou a descida tentando manter uma linha reta sempre morro abaixo, abrindo caminho com a ajuda do facão. 

Sabia que tinha que caminhar a noite inteira para tentar buscar ajuda numa fazenda que ficava no pé da serra. Depois de vencida a etapa da mata mais fechada, ele sabia que podia achar o caminho, tentar ajudar seu irmão e dar um enterro digno ao primo.

Lá no alto da serra a fome foi mal conselheira e Neco começou a olhar seu primo esticado na padiola, morto há um dia. Logo ia começar a feder e os bichos seriam atraídos pelo cheiro de carniça. 

A fome era tanta que ele pensou que ninguém ia descobrir se ele comesse alguma parte das vísceras do primo. Não resistiu e enfiou a mão no peito do infeliz e com a ajuda da faca arrancou um enorme pedaço do que parecia ser o fígado do lado esquerdo do peito e comeu cru mesmo. Estava uma delícia, pensou, exatamente como o sabor dos miúdos do porco ou boi. 

Ainda tentou alcançar mais um pedaço, mas teria que alargar demais o buraco do peito e ele não se arriscou. Fortalecido pela macabra refeição, incomodado pela companhia do defunto resolveu descer a serra seguindo seu irmão que partira às três da tarde, cerca de seis horas antes daquela hora que começava apavorá-lo.

Ninguém nunca ficaria sabendo do que fizera nem mesmo seu irmão que jamais aprovaria aquilo, além do desprezo que sentiria por aquela atitude bárbara. Cobriu o corpo com alguns galhos e folhas e no escuro, debaixo de chuva, ele começou a descida. Passava um pouquinho da meia noite quando ele ouviu um uivo de dor que lhe gelou os ossos:

- “Aiii! Aiii! Eu quero minha pacuera mingute! Eu quero minha pacuera mingute!”

Ele sabia que em catalão, povo de origem do Juca, mingute quer dizer pequeno, menor, então o grito se referia ao pedaço da pacuera, do fígado que havia devorado num momento de desespero.

O urro apavorante chegou até ele vindo do lugar onde o defunto havia sido deixado e aquela sinistra ladainha clamava exigindo-lhe a restituição do pedaço de corpo devorado.

Às quatro horas de dianteira que ele tinha sobre o falecido pareciam ir diminuindo pois cada grito parecia estar mais perto e seu pavor chegou ao máximo. Neco estava perdido e o defunto redivivo e cheio de ódio, desejoso por arrancar as entranhas do traidor.

Ao dar conta do sacrilégio cometido, Juca passou a sentir-se desesperado e arrependido e começou a correr, sem atinar com a direção tomada, rezando e pedindo perdão a Deus e a todos os santos do céu. 

Parecia ter corrido durante horas, de repente ele viu o ranchinho com o riacho à porta. Ele correu para dentro batendo a porta e passando a grande tábua que servia de trava para fechar a passagem. Ajoelhou-se do lado de dentro e gritou por nossa senhora e pela proteção de seu anjo da guarda, quando escutou um barulho de alguma coisa batendo com violência do lado de fora da porta.

Quando ele colocara a tranca na porta ela formara uma cruz com a tábua vertical e foi isso que o salvou do morto-vivo, que ficou grudado na porta, do lado de fora. No dia seguinte, Zezé volta com ajuda e traz um padre que viera para encomendar o corpo no local da tragédia (justamente para que o lugar não ficasse mal assombrado). 

Todos do povoado acabaram sabendo do acontecido e a família do morto nunca perdoou o primo que acabou ficando louco e errando pelos caminhos. 

Até hoje, em noites de lua cheia, ouve-se um longo gemido de dor vindo dos altos da Matas do Sodré, um trecho onde passarinho não canta, nenhum bicho entra e o silêncio é total. É a “Mata do Engolido”, local ermo onde se alguém entrar não sai, se tentar sair se perde e perdido enlouquece, procurando uma trilha que não existe visto que há um espírito atormentado que geme e chora, pedindo sem cessar: - “Eu quero minha pacuera mingute! Eu quero minha pacuera mingute...”"

Ana Lygia



segunda-feira, 25 de agosto de 2014

V Dia Valeparaibano de Contar Histórias - 2014


Aceite nosso convite...
 
Dia 28 de agosto, dia de Santo Agostinho (que contador de histórias!), tire um tempinho para contar uma história. Leia, se quiser. Mas, não perca a oportunidade de alegrar uma criança, um idoso, um conhecido, um estranho, quem você quiser. 
Depois conte pra gente, envie sua história que ela vai para o blog Mistérios do Vale no dia 28. Assim, trocamos nossas histórias e temos um dia dedicado a confraternizar com aqueles que também apreciam a força das palavras.
Nossa ação começou como uma brincadeira gostosa de celebração da vida. Continuou e, agora, já pensamos na possibilidade de nos encontrarmos presencialmente; ainda não conseguimos, mas um dia... Quem sabe! 
Por hora, aproveitemos todos os espaços e ferramentas para distribuir boas histórias. 
Nós as conhecemos!

No I Dia Valeparaibano de Contar Histórias...

No II Dia Valeparaibano de Contar Histórias, ficamos mais audaciosos, amigos contaram histórias para idosos, na rua para crianças, eu montei uma tenda no quintal. A cada história contada, enviavam a notícia para eu postar no blog Mistérios do Vale ou enviavam a história que queriam compartilhar.

No III Dia Valeparaibano de Contar Histórias, as histórias começaram a chegar dias antes do nosso dia oficial. E continuaram chegando depois - tudo de bom!

No IV Dia Valeparaibano de Contar Histórias, decidimos que tentaríamos fazer um encontro presencial no ano seguinte e, claro, tivemos um dia de celebração de boas amizades e boas histórias.


Então, vai contar uma história para nós?
Participe conosco!
Paz e bem!


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Noite de autógrafos do livro "No quintal da Bruxa" no Ciranda da Poesia - Convite


Caros amigos, espero vocês!
Venham confraternizar comigo No quintal da Bruxa!
Participações especialíssimas de Zenilda Lua, Ricardo Silva, Cíntia Moreira e cada um de vocês...




Paz e bem!