domingo, 30 de junho de 2013

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: A lenda da borboleta - final


(Jornal de Caçapava, 14 de junho de 2013.)



    Escutou durante horas a borboleta contar das paisagens distantes, dos bichos que elas, as roseiras lindas, bem cuidadas, zeladas e protegidas, ignoravam. Eram tantos animais, tão diversos, tão antigos. Grandes, pequenos, selvagens, domesticados. Eram tantas plantas, muito mais flores que estas que ali se espreguiçavam. “Há mais flores que se possa contar, tão coloridas, tão perfumadas quanto vocês”, argumentou perplexa.

   A roseira sem espinhos, especialíssima, não conseguia acreditar que algo mais especial que ela pudesse existir. O jardineiro sentiu pena. Doeu-se por ela. A culpa tomou-lhe a alegria, tinha feito daquela roseira a mais importante, ela era fruto de sua vaidade, cresceu entendendo que era mais bela entre as belas e sequer supunha belezas além de si.

   A borboleta então indagou: “as abelhas nunca lhes contaram?”, as roseiras reclamaram que as pequeninas nunca paravam, apenas lhes sugavam das flores a essência e partiam, sempre agitadas, sempre trabalhando, nem um tempinho para conversar, nenhum carinho em retribuição. “Mas e os humanos?”, insistiu a borboleta. “Que nada, também não conversam conosco. Falam entre si, falam de nossa beleza, de nosso perfume, nos colhem, nos presenteiam, mas não falam conosco”, responderam as roseiras.

    O jardineiro, silencioso, pensou, coçou a barba adiantada com mãos calejadas pelos espinhos, escurecidas pelos estrumes, mas mesmo assim delicadas como a roseira lisa. Cavoucou por entre os fios grossos desalinhados e embranquecidos. Teve medo da ignorância que regava em seu jardim, naquele Vale Encantado. Levantou-se, não espantou mais uma borboleta, caminhou até a cerca, sossegado, com o tempo por companhia agradável foi tirando bambu por bambu, os ventos tão antigos tinham resistência a menos e abraçaram as roseiras com ou sem espinhos. Os bichos viriam também, viriam sim.

    O jardineiro agradeceu por suas roseiras, pelo inconformismo da borboleta e pela desistência dos bambus.



Sônia Gabriel


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