terça-feira, 25 de outubro de 2011

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Consciência Cultural.



                                                                                                           
(Jornal de Caçapava, 21 de outubro de 2011.)

A minha consciência cultural não é a de uma especialista em Manifestações Culturais Populares. Sou pesquisadora. É uma relação passional, por isso não posso contribuir para discussões profundamente teóricas, mas tenho minhas angústias na questão.
Minha contribuição é o próprio viver. É como a doceira que, não conhecendo todo o contexto histórico e antropológico da trajetória da culinária caipira, mesmo assim, a perpetua no dia-a-dia, com seus tachos e gamelas, compoteiras, açucares e lembranças de sua mãe, suas tias, suas avós e companheiras de alquimia.
Diante da diversidade das Manifestações Culturais Populares, sou distante da oralidade tradicional, apenas plateia, espectadora que absorveu elementos dessa linguagem com seus pais, já mais urbanos que rurais, mas me cala fundo devido memórias que compartilho da memória coletiva.
As discussões em torno do que é Cultura Popular me acabrunham por protagonizar um discurso evidente de valor elitizado, deixando intenso o distanciamento das classes, numa clara lição de casa, bem feita, no que concerne à estratificação social de nossas antigas aulas de OSPB.
A tradição oral é tão antiga quanto o homem que necessita dela. Ao longo do processo de civilização, ela vem significando um grito dos historicamente excluídos do acesso à educação formal organizada pelas elites. Há nas histórias, lendas, causos, orações, cantigas e demais tradições populares, elementos da construção histórica da humanidade; rudimentos esses entrelaçados com o imaginário coletivo que enraizaram-se na identidade popular e que ainda possibilita muito estudo.
É imprescindível que membros dos grupos que vivenciam essas tradições façam parte efetiva dos debates e reflexões, e não apenas decorem, não apenas sejam entretenimento entre uma palestra e outra. A educação é a ferramenta que precisa preparar o cidadão para que ele elabore sua prática reflexiva dentro das ponderações políticas acerca de sua cultura.
As pessoas são o maior patrimônio do Brasil. Gente é matéria-prima! Todo o restante é acréscimo. Nenhum bem pode ser mais importante que gente. E gente sente, ora, cozinha, dança, tece, costura, modela, festeja, esculpi, conta, canta, forja... Não apenas o que é construído por nós pode ser considerado. Não é possível apreciar e valorizar o que é feito e não considerar quem fez.
Que seja a Cultura Popular um caminho para a sobrevivência, um modo de vida, inclusive de quem a vivencia. Há muito que ser feito, a estrada é estreita, íngreme, mas pode e deve ser possível.
Quem somos nós? Somos gente. Pergunte ao povo, ele sabe quem é. Talvez não seja a resposta nos conceitos que os intelectuais queiram ouvir, mas o povo sabe quem é. Têm o ponto de partida deste entendimento. Respondem com práticas cotidianas muito claras. Fulano é filho de sicrano com sicrana, mora perto do Antônio da Jacinta...


Sônia Gabriel

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