quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Coluna Jornal de Caçapava: A (re)invenção da família


(Jornal de Caçapava,05 a 11 de fevereiro de 2010)

Supõe a antropologia que depois de, provavelmente, por observação direta e uma questão de sobrevivência, as mulheres teriam domesticado a natureza, e assim o homo sapiens teria se tornado sedentário; uma vez que passavam mais tempo num mesmo lugar se oportunizou o surgimento dos rudimentos do que entendemos hoje como família.
Daí imagina-se que foi preciso parar.
A invenção do casamento é bem posterior, o casamento cristão ocidental tal qual conhecemos teve suas origens na Idade Média e vem passando por transformações desde então.
Mas o que me levou a este assunto? Um artigo de uma revista especializada em História que acabo de ler. O tema me fez pensar em outra consequência das uniões: os filhos.
O conceito certinho e fechado do que é uma família já não existe mais, mas os filhos não deixam de existir. O que fazer com eles? Depois de milênios absorvendo que uma família se constitui de pai, mãe e filhos, vivendo e convivendo numa mesma casa, onde cada membro tinha muito claro qual era o seu papel... Ora, mas será que era assim mesmo? Não é bem assim.
Na literatura podemos encontrar relatos de que reis e rainhas dificilmente educavam seus próprios filhos, entregues a preceptores. Alguns pais da nobreza chegavam a passar anos sem ver os filhos, viajavam muito para administrar suas terras e bens e os mesmos ficavam a cargo de seus servos e administradores. Quanto as famílias mais pobres, muitas vezes ter filhos era a possibilidade de mão-de-obra futura.
No Brasil não foi muito diferente. Quantas escravas não amamentaram os filhos de suas senhoras e eram responsabilizadas pelos cuidados com as crianças passando com elas muito mais tempo, durante sua infância, do que suas próprias mães.
A primeira vez que me deparei com o fato de que a maternidade e a paternidade tal qual idealizamos é extremamente recente me assustei. Não que os filhos de outros séculos não fossem amados, desejados. O contexto é que era outro.
Na verdade engatinhamos no assunto, talvez daí resultem os conflitos.
Filho não vem com bula e família não tem receita.
O casamento pode até ter sido inventado, mas a família me parece ser uma necessidade natural do homem. A busca pelo aconchego, pela segurança, pelo conforto do coração e da alma, pela vontade do cuidar e ser cuidado.
Se durante alguns séculos, a questão era aparentemente muito bem resolvida, não é mais assim: há casais que não se obrigam mais a viverem juntos por conveniência, casais que vivem sob o mesmo teto, mas não querem ser um casal, casais que não precisam da burocracia para ser um casal, casais do mesmo sexo... O casamento está sendo reinventado, mas e a família?
E os filhos? Como reinventá-los?
As necessidades individuais de homens e mulheres levaram a sociedade a rever seus conceitos, “desconstruir” alguns, reinterpretar outros, mas e os filhos?
A própria indagação demonstra a inquietude do momento histórico que vivemos. Não está tudo certinho, resolvido, a resposta não é clara e não vão nos dar pronta. Teremos que construir nossa própria verdade, a verdade de nosso tempo. Amamos nossos filhos, queremos cuidar, educar, queremos aprender (haja vista a quantidade de livros especializados e consultórios lotados), queremos tanto que buscamos soluções mágicas que muitas vezes não dependam de tempo, renúncias, prioridades, desfazer-se de íntimas vaidades.
Lamento informar que essas soluções ainda não foram inventadas.
E muito menos eu tenho uma receita, só a mesma vontade que você de acertar. E se você acha que perdeu seu tempo de fazer comigo essas considerações e não encontrar a fórmula no final só posso lhe dizer que está começando mal.

Coluna Jornal de Caçapava: Cheiro de Maçã


(Jornal de Caçapava,29 de janeiro a 04 de fevereiro de 2010)



A fruta preferida das crianças quando eu era uma criança era a maçã. Nossos olhos brilhavam diante da coloração, salivávamos diante do cheiro e a degustávamos bem devagar, devagar... Essa paixão pelas maçãs talvez seja o resultado de sua ausência, não era tão fácil assim tê-las sempre; estamos em 1979, num bairro simples, na cidade de Jacareí.
Na escola, ter na hora do recreio uma maçã era um grande troféu que exibíamos gracejando com “alma de moleques”, aliás, o que éramos todos. A escola era realmente o máximo, sonhávamos com ela, não fazíamos pré-escola, quando completávamos sete anos íamos direto para a primeira série. Tudo era novidade. Nossos uniformes, nossas malas com o material, nossas lancheiras com personagens dos desenhos animados, nossos coraçõezinhos cheios de ansiedade e alegria pelo novo que nos vinha.
Mas e afinal o que tem a ver as maçãs? As maçãs têm tudo a ver com a Dona Marlene.
Dona Marlene foi minha primeira professora. Era uma morena, alta (ao menos era o que eu achava do alto de meus sete anos), linda. Quando nos abraçava afundávamos em seu farto colo, estava sempre de vestidos, tinha o cabelo crespo e o usava bem curtinho.
Dona Marlene tinha cheiro de maçã. Não sei se porque era o presente preferido que gostávamos de lhe dar, ou se porque ela era como as maçãs: cheirosa, bonita, rara.
Todas as crianças que terminavam a primeira série não queriam deixá-la, todos as que estavam chegando queriam ir para sua sala. Levávamos seu nome longe.
Ainda sinto o cheiro de maçã que Dona Marlene tinha. Lembro-me perfeitamente de sua paciência, sentava com cada um de nós, pegava em nossas mãozinhas e traçava aquelas letras lindas, bem desenhadas que ela exigia tanto que tivéssemos, fruto de seu tempo nos dava lições que me valem até hoje: capricho, insistência, cabeça erguida, autodisciplina. Quando errávamos nos tocava a mão, fazia-nos um leve carinho, e firme dizia: “apague e faça novamente”, quando acertávamos, nos tocava a mão, e com a mesma firmeza e um brilho nos olhos nos dizia: “é isso!”.
Nos recebia e se despedia todos os dias com um beijo e um abraço, era nessas horas que respirávamos seu cheiro de maçã.
Mudei de cidade, de escolas, de escolhas, mas nunca esqueci o cheiro de maçã de Dona Marlene e me reencontrei algumas vezes com este mesmo perfume (essência de conhecimento, paixão pelo que se faz, humanismo) em outras Marlenes que estavam guardadas nas “Margaridas, Ivones, Luizas, Luzianes, Márcias, Adrianas, Valdetes, Rosemeires, Simones, Polianas...”.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Muito obrigada!




(Jornal de Caçapava, 22 a 28 de janeiro de 2010)


Muito obrigada!
Este foi um ano muito especial. Começou com uma sombra que perseguia minha esperança de que tudo ficasse bem. Iniciei-o aguardando minha filha chegar. Os dias foram passando e minha esperança cada vez maior contrastando com a sombra de meus medos.
Os meses passaram e na Sexta-feira Santa, emoldurada pela lua mais bonita que já vi na minha vida, Bárbara resolveu me surpreender mais uma vez: decidiu chegar antes da hora. Na madrugada, a bolsa estourou e o líquido que de mim saia avisava que não havia mais nada que eu pudesse fazer. Dali por diante, tudo estaria a cargo de outrem. Minha vida em nada dependia de mim, minha expectativa nada mais podia sobre os fatos.
Durante todo o caminho até o hospital fui pensando em minha mãe. Ela me deu a luz aos dezenove anos, em casa e com o auxílio de parteira e da família, me senti frágil por precisar de muito mais que isso para o que deveria ser simplesmente parir.
Quanto tem nos separado da natureza, como a tememos!
A dor que eu não sentia começou a me fazer entender que desta vez seria diferente. Temi por uma cirurgia, sempre tive receio de cirurgias, nunca tinha entrado em um centro cirúrgico. Comecei a verificar o quanto a ausência de dor estava me apavorando, quanta ironia, nós que sempre nos anestesiamos por não suportar a menor dor que seja.
Comecei a me distanciar do entorno. Silenciei e prestava atenção apenas nos movimentos de minha filha que começavam a diminuir. Escutava o que um e outro falava, sentia a aflição e preocupação de meu marido e pensava no que minha filha esperava de mim naquele momento.
Eu observava me carregarem, via as mulheres entrando angustiadas e outras saindo com um sorriso cansado do centro cirúrgico e pedia sem cessar: deixe-a comigo, ela é meu aprendizado.
Nesta hora de nada me valia tudo e nada, éramos eu e ela. Cercada de atenção e competência, só pensava em nós duas. Temia tudo e esperava tudo. Sentindo todo o peso do mundo, sorri para a fotografia que ela verá um dia, verá que a felicidade não me abandonou.
Quando escutei o médico chamar o pai para vê-la ser retirada de mim, meu coração expandiu-se a ponto de eu não saber se o suportaria manter no peito. Os sorrisos alheios, os olhos voltados para onde eu não podia ver; a impotência de não poder me mexer, correr e tomá-la (o que era de meu direito), tudo ao mesmo tempo e tão intenso me fez suar.
Trouxeram-na para perto de meu rosto, encostaram sua pele na minha e eu chorei. Chorei por todos aqueles meses com medo de perdê-la. Chorei pela solidão que nos unia na luta por uma vida que preenchia meu ventre. Chorei pelas tardes em que sonhava todas as aventuras que ainda viveríamos. Pelas histórias que lhe contaria.
Os olhos nublados não me impediram de ver o corpo escurecido de quem estava quase sem ar (o cordão envolvera seu pescoço). A natureza, sábia, apiedou-se de mim e antecipou seu curso.
Bárbara nasceu miúda, com aparência frágil, podia lhe segurar com apenas uma mão. De tão pequena passou a ser a nossa Babi.
Foram duas semanas no hospital, ela tinha dificuldade para ganhar peso, mas aos poucos foi demonstrando ser uma fortaleza: não ficou no berçário, estava o tempo todo comigo, me possibilitou a mágica experiência de amamentar, olhava com força para dentro de meus olhos, me enfeitiçando num jogo de amor e cuidado eternos.
Estava eu completamente apaixonada por ela.
O tempo foi passando, eu me fortalecendo novamente, a maternidade tão latente em minha alma tomando novo fôlego. A casa com mais um perfume, mais um som, mais uma energia e o universo muito mais vivo.
Bárbara faz parte de meu aprendizado, ela tem me imposto a cada dia uma nova alegria. Saudável, alegre, esperta, tão branca quando perto de mim, está sempre acariciando meu rosto, me lembrando que sou mais forte do que poderia sequer imaginar. É o retrato explícito de meu amor de mulher, a celebração da esperança de nossa família.
Suas mãozinhas tentando teclar comigo, seu corpo pendurado no meu enquanto suga meus seios e acompanha as palavras nascendo na tela me faz todos os dias, repetir do fundo da minha alma: muito obrigada!

Coluna Crônica Jornal de Caçapava: Os Quintais de nossas vidas


(Jornal de Caçapava, 11 a 18 de dezembro de 2009)

Sempre morei em casas, mas há muitos anos que não tenho um tradicional quintal. Grande maioria das casas de hoje em dia têm sacadas, corredores, varandas, mas não têm quintais. Ainda bem que podemos reconstruir nossos quintais. E aí sacadas, varandas e corredores perdem sua inicial função para ceder vez a este velhinho simpático que é o quintal.
Aos sete anos de idade eu tinha o maior quintal do mundo.
O primeiro cômodo de nossa casa era a sala, quando dela saíamos, encontrávamos a varanda e depois da varanda lá estava ele, o quintal.
Maior que aquele quintal só a rua. Rua dos Gladíolos, dizem que é o nome de uma flor, consciente do fato, nunca vi nenhuma. Ainda quero ver um gladíolo. Voltemos ao quintal. Ele era imenso, de terra, é claro, nada de cimento, nem de pedras, era só terra e tinha algumas plantas, sempre cuidadas por meus pais.
Ali eu imaginei mundos que ainda recordo bem, ali eu sonhei e conversei muito com meu amigo invisível, um anjo. Ali, naquele quintal, tive inúmeras profissões, fui heroína e muitas, muitas vezes a vilã; imaginava que nome daria aos meus filhos, e os lugares pelos quais, um dia eu viajaria.
Sentada em algum banquinho ou no chão mesmo, li meu primeiro livro e por isso plantei um pé de laranja que não tive tempo de saber se frutificou. Nos meus sonhos sim, e teve a maior sombra de todos os pés de laranja do mundo.
Naquele quintal eu criei personagens que me acompanham até hoje, naquele quintal eu aprendi que ser feliz é simples.
Quando, por motivos de adultos, precisamos nos mudar pensei que nunca mais teria um quintal assim, me enganei. Meu quintal sempre me acompanhou. E continua pacientemente a me acompanhar, mesmo quando retornei para revê-lo e percebi que não era tão imenso quanto eu me lembrava, nem ao menos era grande, virou uma pequena garagem, fiquei por muito tempo sorvendo o quanto o sentimento de uma criança nos molda para a vida toda.
A constatação da proporção não me impediu de continuar a vê-lo imenso.
Os quintais de nossas vidas são nossa essência. Preserve-os com o cuidado de quem guarda a última tocha de fogo, o último cantil.
Mas afinal o que me fez viajar por meus quintais? Uma festa num quintal. Que bom que alguém manteve seu quintal. Estive neste quintal simples como era o meu, maior, bem maior do que era o meu, cheio de vida e de vidas que me pareceram de vez em quando passarem por ali para buscar seus próprios quintais, assim como eu.

Crônica Jornal de Caçapava: A essência da beleza


(Jornal de Caçapava, 23 a 29 de outubro de 2009)

O que é ser belo?
Pergunta difícil! Todo dia, diante do espelho milhares de pessoas se olham e se admiram; se odeiam e se envergonham; se questionam sobre o belo.
Tentando cuidar da saúde procurei um conceituado endocrinologista. Eu sou lenta, aliás, faço um esforço imenso para não ser, mas sou lenta. O médico preocupado com tanta lentidão colocou-me diante de um espelho e perguntou o que eu via. Sei lá o que eu via, dizem que a gente nunca se vê de verdade. Não somos, segundo os psicólogos, tantos ao mesmo tempo? O certo é que ele, muito gentilmente, disse que a minha demora é por conta da aceitação: “Você é uma mulher bela, se aceita”.
Será que alguém nesse mundo apressado e tão virtual se aceita? E o que é ser belo?
Quando a gente liga a televisão, abre o jornal, as revistas, etc., é sempre a mesma coisa. Produtos de beleza, fórmulas milagrosas, cirurgias plásticas... Tudo bonitinho e embaladinho nos chamando, nos seduzindo para alcançar a beleza ideal. E quem já não se sentiu tentado a seguir uma dessas fórmulas milagrosas?
Mas afinal como é a beleza ideal?
Para os antigos gregos (nada mais propício do que citá-los agora) a beleza expressava um modo de vida do cidadão. O grego belo era aquele que praticava exercícios físicos, zelando sim pelo seu corpo, mas era também aquele que aprendia música, discutia política, tinha gosto pelo conhecimento e pelas artes. A beleza tinha que ser construída, não era apenas o físico, tinha que ser plena também no espírito.
E foi sentada aqui diante do computador, estudando sobre a beleza que a memória, aliás, na Grécia também ela é uma deusa, me trouxe um exemplo sobre este tema.
No início do ano, estávamos aguardando a professora que nos ensinaria o que é posicionamento filosófico na prática do dia-a-dia, de repente chega uma mulher baixinha, baixinha mesmo, com um salto altíssimo de fazer Luis XV se torcer de inveja, cabelos loiros, olhos claros grandes e expressivos, escancarando uma saia curta que lhe revelava pernas comuns como as de qualquer outra mulher, mas que ela ostentava com segurança. Enfeitada com brincos, pulseiras e colares como todas as outras mulheres fazem, mas que nela se destacam mais. Detalhe: ela tem um porte físico que está longe dos ditos padrões de beleza e carrega a maturidade de quem sabe ser bela acima da idade ou dos quilos a mais que se tenha. Poucas vezes estive diante de uma mulher que se encaixasse tão bem numa beleza plena. Ela é bonita de se ver, de se ouvir e de se sentir. Uma mulher perfumada, aconchegante que fez de nós, mulheres adultas, uma turma de crianças, nos incomodou, nos inspirou, nos ensinou, nos acolheu e se despediu como aquela nossa professora de jardim: com abraços, beijos e afagos. Deixou a sua marca, a lembrança de sua presença.
Quanto a mim, tive metade de meu caminho facilitado na compreensão do que é, afinal, o belo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Encerramento do Ciclo de Natal-Encontro das Folias de Reis 31/01/2010


Neste final de semana, aconteceu no Museu do Folclore, no Parque da Cidade, o encerramento do Ciclo de Natal.
Foi muito emocionante.
As folias se encontraram para encerrar este ciclo tão tradicional. Fui rever amigos e prestigiar as folias, principalmente a organizada por Seu Vítor e Dona Luíza que todos os anos nos convidam a vivenciar com eles toda a tradição e devoção aos Santos Reis.


Tudo muito colorido e alegre como é a vida para aqueles que por aqui, neste mundo, estão chegando.

A devoção de quem se sente acolhido e protegido pela fé.

Energia e disposição contagiante.

Momento de oração e emoção.

Justas homenagens para aqueles que dedicam suas vidas com amor ao que tanto respeitam como fé.

Dona Ângela e um dos homenageados, Senhor Sebastião Marcolino.

Tive a honra de entregar-lhe a homenagem.

Foi um domingo muito especial.
Fotos minhas e da Pércila.