quarta-feira, 23 de abril de 2008

Coluna Crônicas Valeparaibano: A Despedida



A Despedida

(Em 20/08/2003, Jornal Valeparaibano)

A água do chuveiro caía quente e o frio que entrava pela janela entreaberta era incômodo, aos poucos ele se confundia com toda a fumaça que a água, tão quente, produzia. Mesmo com pressa, por um momento eu parei, relaxei o corpo e a cabeça começou a pensar.
Tudo em minha volta parecia meio morto, o chão de cimento grosso e as paredes com um reboque escuro pareciam no meio de tanta fumaça, um túmulo. Veio-me uma sensação de medo, de prisão. Um nó que apareceu na garganta logo foi interrompido pelas lágrimas e essas pareciam empurrar toda aquela sensação para fora de mim.
Fui lentamente abaixando meu corpo, encostei num canto da parede, sob o chuveiro. A solidão naquele instante foi tão imensa que agradeci ao chuveiro aquele barulho infernal que ele costumava produzir todas as manhãs, tardes... Tudo dentro da minha cabeça se confundiu, as lembranças se espalharam para todos os lados.
Em minha mente, chamei durante várias vezes meu 'anjo da guarda', nem mesmo que hoje ele não fosse anjo, mesmo que hoje eu encontrasse aquela expressão triste e rebelde, não importava, eu precisava vê-lo, ver qualquer pessoa, precisava de um colo, mas ele não veio.
Fechei meus olhos, coloquei a cabeça entre as mãos e chorei novamente. Chorei todo meu medo. Meu corpo, que começou a não suportar o frio, pedia-me que levantasse, mesmo assustada e carente, me esforcei, levantei-me, desliguei o chuveiro, procurei por entre a fumaça do banheiro, por uma toalha, peguei-a, enxuguei-me e toquei na porta.
Havia dentro de mim uma pequena revolta.  Por que daquela dor? Por que num momento em que me sentia tão frágil? E por que meu personagem que era o mais forte, o mais frágil, não me amparou? Só ele poderia compreender um momento de tanta dualidade...tanta mágoa que me empurrou a tocar novamente a maçaneta, foi tanta força que a porta se abriu.
O restante da casa que não era diferente do banheiro estava um pouco mais claro, minhas pernas um tanto descompassadas levaram-me ao quarto, ao me aproximar do cômodo lá estava ele, meu personagem mais querido, estava deitado num canto da minha cama, com as costas apoiadas na parede feia e inacabada, ao me ver entrar sentou-se com o violão no colo, dirigiu-se até a mim e disse que era preciso, havia lhe doído muito mas eu precisava aprender a levantar-me só, precisava aprender a abrir as portas da minha prisão.
Finalmente abraçou-me, juntou suas coisas e o vi na mesma estrada de sempre, triste e solitária com a jaqueta nas costas e o violão na mão. Tudo empoeirado e triste.



Sonia Gabriel é pesquisadora e professora de História e Sociologia.



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